As Carreiras Típicas de Estado de Especialista em Políticas Públicas (EPP) e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas (APOFP) foram criadas pela Lei Complementar nº 1.034, de 04 de janeiro de 2008, em decorrência do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal (PNAGE), assinado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2006, tendo como objetivo modernizar e fortalecer a capacidade de planejamento e de gestão em políticas públicas, bem como tornar mais transparente e eficiente o controle do gasto público nas administrações estaduais.
Na mensagem do então Governador à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que acompanhou, em 2007, o projeto de lei de criação dessas carreiras, estavam postos os nobres valores que orientaram o Governo Estadual naquela ocasião. Da ‘Mensagem do Governador’ destacamos o seguinte excerto:
“A propositura estabelece a criação de quadro de pessoal para atuar nas funções típicas e especializadas de estado, desenvolvidas nas áreas de planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas e de gestão do Estado [EPP] e de planejamento, orçamento, finanças e controle interno do Estado de São Paulo [APOFP]. Na sua elaboração, o foco se concentrou na necessidade que essas áreas têm de recursos humanos especializados, vinculados ao serviço público, em número suficiente e de forma contínua, atendendo às exigências de um Estado renovado. Para tanto, das pessoas envolvidas na área de gestão pública é exigida uma visão ampla da Administração Pública, enquanto nas áreas de Planejamento, Orçamento, Finanças e Controle Interno devem deter um conhecimento integral dos organismos públicos e das ações governamentais, na medida [em] que são encarregadas de analisar e subsidiar o processo decisório das propostas setoriais e promover o acompanhamento da execução do plano de governo e dos orçamentos, além de atuar na coordenação, acompanhamento e controle de todas as ações do Estado.”
A referida Lei Complementar nº 1.034/2008, originalmente, previu 500 cargos permanentes de Especialista em Políticas Públicas e 800 de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas para profissionalizar o Ciclo de Planejamento e Gestão do Governo do Estado de São Paulo. No entanto, passados mais de treze anos desde que as carreiras foram instituídas, 86% dos cargos de EPP e 56% dos cargos de APOFP permanecem vagos.
Têm sido frequentes as ações do Ministério Público no sentido de obrigar a Administração a substituir cargos comissionados em confiança por cargos efetivos em funções de natureza técnica e administrativa, as quais não se confundem com as de direção, chefia e assessoramento prescritas nas Constituições Federal e Estadual. Como exemplo destacam-se os recentes casos da Secretaria da Fazenda e da ARTESP, em que a Administração foi obrigada a substituir centenas de cargos em confiança exercendo funções técnicas e administrativas – tais como Assistente Técnico da Fazenda Estadual e Assistente de Serviços – por cargos efetivos disputados democraticamente em concurso público.
Do ponto de vista da valorização profissional, desde o seu ingresso no Estado as referidas carreiras enfrentam amplo conjunto de dificuldades, cujo efeito mais aparente é um alto índice de evasão: desde 2010 perderam 47% (EPPs) e 55% (APOFPs) de seus quadros efetivos. A insatisfação generalizada dos servidores é consequência de uma série de problemas, os quais seguem elencados de forma resumida a seguir.
Problemas e soluções
Critério para promoção
O atual critério para promoção – prova teórica – é desconectado de uma avaliação fática, eficiente, justa e meritocrática da efetiva atuação profissional dos servidores. Uma solução seria a criação de dois eixos independentes com métodos de avaliação complementares: um instrumento de avaliação de desempenho com critérios objetivos para a progressão no eixo horizontal, e uma avaliação teórica e/ou prática para a promoção no eixo vertical.
Barreira contra a promoção
O artigo 17 da LC 1.034/2008 determina que apenas 20% do contingente de cada classe na data de abertura do processo poderá ser promovido. Esta barreira impede o crescimento na carreira de 80% do contingente de cada classe e, consequentemente, bloqueia também o acesso à progressão, uma vez que seu pré-requisito é estar na classe seguinte.
Não existe na literatura de Administração Pública e Gestão de Pessoas qualquer case de sucesso demonstrando que este tipo de barreira tenha algum impacto motivacional positivo ou, mesmo, que seja reconhecido como um sistema justo e meritocrático pelos servidores.
Propomos como solução o modelo utilizado para a ARTESP e a ARSESP, o qual atenua este problema aumentando a margem de 20% para 40% na progressão e tratando esta de modo independente e complementar à promoção.
Periodicidade das promoções
Os Decretos 62.666/2017 e 62.728/2017, que regulamentam a promoção para os integrantes das classes de Especialista em Políticas Públicas e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas, respectivamente, estabelecem que os processos de promoção sejam realizados a cada dois anos. Assim sendo, não bastasse o bloqueio vigente que já impede 80% dos servidores de serem promovidos na Carreira em cada processo, nos referidos Decretos foi feita uma opção por realizar-se os processos de promoção apenas a cada dois anos sem, contudo, haver qualquer justificativa ou motivação.
Propomos normalizar a periodicidade de modo que anualmente os servidores tenham a possibilidade de, uma vez cumpridos todos os interstícios, serem avaliados e terem a chance de ascender na Carreira por seu próprio mérito e esforço.
Quadro de gratificações
O quadro de pro labore original da LC 1.034/2008 previa gratificações para três naturezas de cargos de confiança: de coordenação, de direção técnica e de assessoramento. Em 2013 – por meio da LC 1.199 – este quadro foi redesenhado e, novamente sem justificativa ou motivação, a função de assessoramento foi excluída daquele rol de cargos.
A opção por nomear os integrantes das Carreiras de EPP e de APOFP para cargos em confiança de comando ou de assessoramento de nível superior deve voltar a estar disponível à Administração sem qualquer ônus aos servidores. Para completar, os atuais percentuais de pro labore correspondentes aos cargos em confiança são incompatíveis com as responsabilidades adicionais assumidas.
Vale registrar que o pagamento de pro labore representa economia à Administração, uma vez que seu montante é inferior ao que seria gasto com um servidor não estável exercendo a mesma atividade.
Propomos uma solução que se adequa ao padrão geral utilizado pela Administração para funções de ‘comando’, recoloca a função de ‘assessoramento’ e ajusta o percentual de pro labore para valores compatíveis com a maior responsabilidade e, ao mesmo tempo, permanecem mais econômicos à Administração.
Redação legislativa caótica
A técnica legislativa utilizada em diversos dispositivos da LC 1.034/2008 – que institui as Carreiras de Especialista em Políticas Públicas e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas – resultou confusa e produz uma série de incompreensões, interpretações ambíguas e exceções dentro de restrições que criaram insegurança jurídica em aspectos sensíveis tais como o concurso de promoção realizado em 2018.
Serve bem como exemplo o artigo 18 da referida Lei Complementar, que define os casos em que o interstício para fins de promoção e progressão é interrompido: são onze exceções colocadas dentro de uma regra de exceção da restrição.
Propomos uma redação que saneia este problema com uma redação simples e inequívoca contida em dois artigos organizados dentro da seção ‘da atuação em outros órgãos da administração’ e, nas disposições transitórias, reenquadra os servidores aptos à promoção de maneira equânime, solucionando os impasses.
Em síntese, trata-se de uma solução que faculta à Administração a designação ou o afastamento do servidor e assegura que, seja para exercer suas atribuições, ocupar cargos em confiança ou responder por funções de confiança em órgãos do governo e em municípios do estado de São Paulo, não haverá qualquer prejuízo dos vencimentos e das vantagens do cargo efetivo do qual é titular.
Reajustes gerais da remuneração
Entre 2013 e 2015 o governo concedeu assistematicamente dezenas de reajustes monetários, inclusive com aumentos reais, para centenas de milhares de servidores pertencentes aos quadros das áreas de Educação, Saúde, Segurança, Penitenciária, Fazendária, Advocacia, Regulação e Administrativa. Foram excluídos, entretanto, os menos de 500 servidores dos quadros efetivos de Gestão – EPPs e APOFPs – apesar de acordo firmado em 2014 pelo Gabinete da Secretaria de Gestão Pública com as duas carreiras.
Se tivesse sido honrado pelo governo à época, a reclassificação de 2014 teria significado um reajuste de 37,9% diante de uma inflação de 17,5% pelo IPC-A/IBGE entre novembro de 2011 e junho de 2014. Ou seja, naquela ocasião os servidores teriam tido um aumento real de 20,4% além da recomposição inflacionária e atualmente estariam com remuneração compatível ao “mercado” de gestores públicos de carreira dos outros governos estaduais do Brasil.
Destaca-se que no 1º Quadrimestre de 2014 a relação entre a Despesa Líquida com Pessoal (DLP) e a Receita Corrente Líquida (RCL) era de 42,27%. O mais recente Relatório de Gestão Fiscal (2º Quadrimestre de 2022) revela que a relação entre DLP e RCL atualmente é de 37,6%, portanto, é menor, ou seja, o espaço fiscal hoje está ainda melhor do que estava em 2014. Não caberia aqui, portanto, a reiterada alegação de “crise fiscal” frequentemente elencada.
Reposição inflacionária
As Carreiras de Especialista em Políticas Públicas e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas não tiveram qualquer reajuste de seus vencimentos desde novembro de 2011 além dos 3,5% concedidos em março de 2018 e dos 10% em março de 2022 a título de reajuste geral. A remuneração inicial que, em novembro de 2011, era de R$ 5.800, agora em novembro de 2022 é de R$ 6.603.
A escala de vencimentos que propomos corresponde a uma atualização de 51,7% em relação à remuneração da classe inicial na LC 1.034/2008 de novembro de 2011, o equivalente a R$ 8.797. Por sua vez, a inflação acumulada entre novembro de 2011 e outubro de 2022 é de 90,2% pelo IPC-A/IBGE, de 91,7% pelo INPC/IBGE e de 146,5% pelo IGP-M/FGV.
A reclassificação de 51,7% que propomos, portanto, é inferior a todos os índices de inflação oficiais calculados no período, não devendo ser confundida sob nenhuma hipótese com aumento ou com reajuste salarial, uma vez que é inferior à inflação acumulada no período.
Impacto orçamentário
No sentido de demonstrar o pequeno impacto orçamentário da medida, elaboramos o custo que é da ordem de R$ 2.829.221 mensal e de R$ 37.722.949 anual assim distribuídos: R$ 478.985 mensal e de R$ 6.386.478 anual para os 71 Especialistas em Políticas Públicas em exercício; e de R$ 2.350.235 mensal e de R$ 31.336.471 anual para os 349 Analistas em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas em exercício.
Neste cálculo já estão considerados os pagamentos com férias, décimo terceiro salário e contribuição patronal. Trata-se de medida que promove isonomia, justiça e tem impacto ínfimo diante da capacidade orçamentária do Governo do Estado de São Paulo: 0,0219% da Receita Corrente Líquida, 0,0527% da Despesa Líquida com Pessoal e 0,8278% do espaço fiscal disponível até o Limite de Alerta, de acordo com os dados publicados no Relatório de Gestão Fiscal do primeiro quadrimestre de 2021; e 1,1043% do orçamento da Secretaria da Fazenda e Planejamento fixado para o ano de 2021.
Comparação
A propósito de contextualizar o insignificante impacto orçamentário da proposta, trazemos dados da Área de Política de Despesa de Pessoal – de dezembro de 2016 – referentes a reajuste que implicou o acréscimo de despesas correntes da ordem de R$ 40,2 milhões para o ano de 2017, representando 0,03% da RCL.
Tratando-se de impacto orçamentário relativamente próximo ao do PLC (R$ 37,7 milhões), o referido reajuste contou com posição serena do órgão fazendário. Naquela circunstância, a relação entre DLP/RCL era 2,20% superior ao Limite de Alerta, menos favorável do que a conjuntura atual em que a DLP/RCL é 6,50% inferior ao Limite de Alerta.
Estudo de caso
Contexto: impacto de 0,03% da RCL diante de uma relação entre DLP/RCL de 46,30%, ou seja, 2,20% superior ao Limite de Alerta de 44,10% (cf. Relatório de Gestão Fiscal de 2016-Q2).
Posição da Fazenda: “Mister se faz destacar que a proposta contém soluções realistas, viáveis e sustentáveis no longo prazo, inserida no contexto econômico atual e na realidade da arrecadação do Estado, e não deverá comprometer o equilíbrio fiscal, ficando, dessa forma, em consonância com as prescrições legais pertinentes, condição essa indispensável para sua aprovação, à vista do disposto no artigo 169 da Constituição Federal.” [grifo nosso]
Conforme os dados extraídos dos Relatórios de Gestão Fiscal publicados pelo Poder Executivo, no segundo e terceiro quadrimestres de 2016 – quando o reajuste supracitado foi concedido – a relação entre a Despesa Líquida com Pessoal (DLP) do Poder Executivo e a Receita Corrente Líquida (RCL) foi, respectivamente, de 46,30% e 46,40%, ou seja, naqueles quadrimestres a DLP estava 2,20% (2016-Q2) e 2,30% (2016-Q3) acima do Limite de Alerta de 44,10% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, correspondente a R$ 3,2 Bilhões acima do Limite de Alerta.
Atualmente, a situação fiscal do Poder Executivo está extremamente mais confortável, significativamente melhor do que estava no primeiro quadrimestre de 2014, quando os diversos reajustes foram realizados (exceto para as Carreiras de EPP e APOFP). A relação entre DLP e RCL de 2014-Q1 e de 2021-Q1 foi, respectivamente, de 42,27% e 41,53%, ou seja, a margem atual (2022-Q2) é 6,50% inferior ao Limite de Alerta, significando um espaço fiscal disponível de R$ 14,4 Bilhões até o Limite de Alerta, de R$ 19,8 Bilhões até o Limite Prudencial e de R$ 25,3 Bilhões até o Limite Máximo.
As Carreiras Típicas de Estado de Especialista em Políticas Públicas e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas têm um perfil proativo e comprometido com a modernização do Estado, a manutenção da legalidade e a apresentação de soluções que ajudam o Governo a superar os muitos obstáculos e impasses que vêm prejudicando o pleno desenvolvimento da gestão pública paulista. O Projeto de Lei Complementar que segue solucionaria em grande medida os graves problemas enfileirados acima.
Projeto de Lei Complementar proposto pela AEPPSP e AGESP ao Governo
O PLC em tela baseia-se na moderna legislação que reorganiza o plano de carreiras e o sistema retribuitório das carreiras de nível superior pertencentes aos quadros da ARTESP e da ARSESP, similares às carreiras de Especialista em Políticas Públicas e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas em grau de complexidade das atribuições e, até 2013-2014, também em escala de vencimentos. Procurou-se elaborar uma minuta enxuta, com redação clara e inequívoca, remetendo à posterior regulamentação em decretos e em resoluções os assuntos cujos detalhes não têm necessidade de estar colocadas no corpo da lei, conservando espaço para adequações promovidas pelo Executivo.
Acreditamos que se o novo Governo tiver apreço pelas áreas de planejamento governamental, gestão de políticas públicas e controle dos gastos públicos, avançará com a tramitação do expediente SFP-EXP-2021/162838 registrado no Sem Papel em 26/07/2021 pelo Gabinete da Secretaria da Fazenda, o qual encaminhou a minuta do PLC padronizado atualizando a LC 1.034.
Contudo, por falta de vontade política do Governo que agora se encerra, a tramitação do projeto encontra-se paralisada.
Iluminados por uma visão de Estado que valoriza a gestão eficiente e com elevada capacidade técnica de realização, certamente perceberão a utilidade e a importância destas Carreiras de Estado para modernizar a gestão pública paulista e apoiar de modo eficaz a realização das políticas e dos serviços públicos com vistas a uma sociedade mais livre, igual e fraterna.
Resumo das pendências e atrasos
Conforme já destacamos em outras oportunidades, a gestão central de recursos humanos do Governo do Estado de São Paulo é absolutamente caótica. Na última década, tem sido um foco de promoção do caos contra as áreas de planejamento e gestão do Estado e suas respectivas Carreiras. Deixamos para a próxima diretoria da AEPPSP a responsabilidade por tentar sensibilizar o novo Governo a organizar as pendências:
- Reativar a Comissão Técnica da Carreira de EPP (CEPP), paralisada desde 01.ago.2018, data em que foi realizada sua última reunião.
- Realizar os processos de Promoção atrasados referentes aos anos de 2019 e 2021.
- Realizar os cursos para Progressão atrasados referentes aos anos de 2017, 2019 e 2021.
- Modificar os critérios para Promoção.
- Avançar a tramitação do PLC que reorganiza o Plano de Carreira e o Sistema Remuneratório dos servidores das carreiras de gestão.
- Repor as perdas salariais decorrentes da inflação.
- Realizar um novo concurso de ingresso.
Desejamos boa sorte aos colegas, com a esperança de que o novo Governo enxergue as carreiras de gestão como um potente instrumento a ser utilizado em benefício do Estado, e não como a alta burocracia comissionada do Governo anterior que nos enxergou (e tratou) como adversários a serem combatidos.
São Paulo, aos 14 de novembro de 2022.
A Diretoria – Gestão por Progressos