Distribuição dos Cargos Públicos no Governo do Estado de São Paulo: 26.775 cargos comissionados

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Boletim do Observatório do Ciclo de Planejamento e Gestão do Governo do Estado de São Paulo
Ano 1, Edição #04 — 16.jan.2017

Uma iniciativa cívica da Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo – AEPPSP
Link Permanente: https://aeppsp.org.br/observatorio-ciclo-planejamento-gestao/145-distribuicao-cargos-publicos-sp

Governo do Estado de São Paulo possui 26.775 funcionários comissionados, dos quais 10.860 sem vínculo com o Estado. Números foram contabilizados a partir de dados públicos oficiais.

1. Introdução

Cargos comissionados são necessários para que governos eleitos democraticamente possam colocar a máquina estatal no rumo do plano de governo escolhido pela população nas urnas — quando existe um plano, evidentemente. O equilíbrio entre tamanho da máquina (atribuições, orçamento e pessoal) e o número de cargos comissionados ocupados por pessoas da confiança do Governo que não prestaram concurso público é delicado. A Constituição Federal de 1988 previu apenas três exceções para ingresso no serviço público sem concurso público:

Artigo 37, inciso V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por funcionários ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por funcionários de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

Cargos em comissão que se desviam das atribuições de direção, chefia e assessoramento são, portanto, inconstitucionais. E há um motivo para isso: atribuições de natureza administrativa, técnica ou científica devem ser exercidas exclusivamente por servidores públicos submetidos a concurso público de ingresso, uma vez que são funções de Estado e devem transcender o tempo de mandato dos governos eleitos. Quando um governo loteia com funcionários comissionados órgãos e departamentos cujas atribuições são administrativas ou técnicas tem-se aí um aparelhamento da máquina pública.

Em 2008 uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou São Paulo, a convite da Secretaria da Fazenda (SEFAZ), para realizar uma avaliação sobre o grau de transparência das atuais práticas de gestão fiscal e fazer recomendações no sentido de aproximar-se das boas práticas internacionais. No documento ‘Transparência das Ações e das Contas Públicas‘, de 2008, publicado pela SEFAZ [1], há uma série exaustiva de análises críticas e recomendações para o Governo do Estado. Dentre as recomendações do FMI, uma destaca-se em relação aos cargos comissionados de SP (p. 17-18):

As práticas de gestão dos servidores públicos devem ser aprimoradas.

Indicação para cargos em comissão. Apesar de muitos empregos públicos serem competitivos, o número de cargos comissionadas de livre indicação representa um quantitativo expressivo (cerca de 24 mil cargos), apesar de que muitos só podem ser ocupados pelos próprios servidores de carreira*.

Recomendação: As autoridades devem examinar a conveniência de reduzir o número de cargos comissionados de livre indicação.

* Nota de rodapé 12: Do total de 539.251 cargos do Estado (excluindo a polícia militar), 4,4 porcento podem ser nomeados livremente pelo governador. Todos as demais funções de confiança são exercidas exclusivamente por funcionários concursados e da respectiva carreira. São normalmente as funções de chefia e assistência, por exemplo, das carreiras típicas, como fiscal de impostos. Dados do quadro de pessoal estão disponíveis no site www.recursoshumanos.sp.gov.br.

Não se diferencia neste documento elaborado pelo FMI quantos desses 24 mil cargos comissionados são ocupados por servidores de carreira (que denominamos neste estudo como ‘comissionados efetivos’) e quantos são ocupados por servidores sem vínculo com o Estado (denominados aqui como ‘comissionados puros’).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza anualmente, desde 2012, um ‘Estudo do Perfil dos Municípios e Estados Brasileiros‘, dentro do qual está a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, o Estadic [2]. Em 2014 ficou famosa a contradição entre os números de cargos comissionados informados pelo Governo do Estado de São Paulo, conforme pode-se verificar em reportagem dos jornais da época, como esta, d’O Globo: ‘Número de servidores comissionados cresce 3,5%, diz IBGE‘. O jornal publicou que “em relação aos comissionados, segundo o governo paulista, o aumento foi de 13.805, em 2012, para 14.731 no ano passado [2013]“.

Em síntese: em 2008, para o FMI, o número de cargos comissionados informado pelo Governo do Estado de SP foi de aproximadamente 24 mil; em 2013, para o IBGE, de aproximadamente 14 mil. Dez mil cargos de diferença em cinco anos. Será?

2. Resumo dos dados

Ao investigarmos os conjuntos de dados oficiais do Governo do Estado de SP chegamos aos seguintes números consolidados tendo como data-base dezembro de 2016: ao todo são 26.775 cargos em comissão ocupados, dos quais 10.860 por funcionários sem vínculo com o Estado (comissionados puros) e 15.915 por funcionários com vínculo com o Estado (concursados e CLT). Possui, também, 174.470 funcionários contratados em regime temporário ocupando cargos permanentes e 324.352 funcionários efetivos ocupando cargos permanentes. Não estão disponíveis nos conjuntos de dados oficias utilizados nesta pesquisa e, portanto, não foram aqui contabilizados, os números referentes ao efetivo da Polícia Militar. Todos os números dizem respeito a funcionários ativos, ou seja, não estão contabilizados aposentados nem pensionistas.

Dentro dos órgãos da Administração Direta (Secretarias e Procuradoria Geral do Estado, excluída a Polícia Militar) é possível aprofundar o mapeamento da ocupação dos cargos públicos em quatro dimensões. Para apresentar uma visualização intuitiva destas dimensões organizamos os números em uma tabela multidimensional de quatro dimensões (4D). A primeira dimensão (esquerda) diz respeito a se o funcionário ocupa, ou não, cargo permanente. A segunda (superior) mostra se o funcionário ocupa, ou não, cargo comissionado. A terceira (direita) revela se o funcionário foi, ou não, designado para exercer cargo comissionado. A quarta (inferior), se o funcionário foi contratado em regime temporário por tempo determinado, ou não.

A soma dos números das células que compõe os referidos eixos é apresentada na parte externa da tabela. Cada célula desta tabela quadridimensional corresponde a uma posição em cada uma das quatro dimensões. Assim, por exemplo, sabe-se que nas Secretarias do Estado de SP existem 242 funcionários que, simultaneamente:

Não permanente: não ocupam qualquer cargo permanente;
Comissionado: foram nomeados para ocupar cargo em comissão;
Designado: foram designados para exercer as atribuições de cargo em comissão (o cargo fica formalmente vago, porém, na prática, está ocupado);
Não temporário: não foram contratados por tempo determinado.

Portanto, esses 242 funcionários contabilizam como ‘comissionados puros’.

O código de cores utilizado nas duas tabelas está padronizado e refere-se à tipologia de cargos utilizada no presente estudo: em vermelho os comissionados puros, em laranja os comissionados efetivos, em lilás os temporários e em verde os efetivos puros. A composição das quatro dimensões, consideradas as especificidades dos vínculos de cada tipo de cargo, é o que conforma a tipologia dos cargos públicos utilizada neste estudo e garante que os números contabilizados para cada tipo de cargo não se confunde nem se sobrepõe aos demais.

Enquanto o documento do FMI de 2008 apresentou o número de “cerca de 24 mil cargos comissionados“, contabilizados os números consolidados pelo IBGE no Estadic/2014 chega-se ao número de 15.516 cargos comissionados. Abaixo segue uma imagem (clique nela para expandi-la) da tabela cujos cálculos podem ser refeitos e auditados utilizando-se a tabela do Estadic/2014 (no anexo ver a aba ‘Total Funcionários’):

Algumas notas de rodapé do Estadic/2014:

(**) Em São Paulo no item “somente comissionados”, no âmbito da administração direta e indireta, os dados são dos comissionados com e sem vínculo permanente. 
(4) Somente comissionados são os que têm como vínculo somente o cargo que ocupam.
(5) Sem vínculo permanente são os cedidos por outros órgãos, os prestadores de serviços autônomos, os voluntários, os contratados por tempo determinado entre outros.

Padronizando e simplificando os conceitos, a partir dos dados brutos do FMI, do Estadic/2014 e do levantamento aqui realizado a partir dos dados oficiais, temos os seguintes números relativos ao Governo de SP:

Tipo de CargoFMI/2008Estadic/2014AEPPSP/2016
Efetivos puros~515.251455.756324.352
Comissionados~24.00015.51626.775
Temporários40.679174.470
TOTAL539.251511.951525.597

Como pode-se verificar, o total contabilizado varia pouco, mas os números internos não conferem!

3. Metodologia

Há que se diferenciar mais claramente nos números que contabilizam cargos públicos duas questões. Em primeiro lugar, deve-se buscar esclarecer quantos são os cargos comissionados ocupados por pessoas sem qualquer vínculo com o Estado (comissionados puros) e os cargos comissionados ocupados por pessoas com vínculo com o Estado (concursadas e CLT). Em segundo lugar, é necessário contextualizar qual o universo de órgãos que está sendo — ou não — contabilizado (apenas as Secretarias? também as Autarquias? as Fundações? as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista?). No presente estudo houve todo o cuidado necessário para que ficassem claramente diferenciadas e compreensíveis estas duas dimensões: o tipo de cargo e a natureza jurídica dos órgãos do Governo do Estado.

Para consolidar-se os números aqui apresentados foram utilizados dois conjuntos de dados públicos disponibilizados pelo Governo do Estado de SP sobre seus recursos humanos e sobre seus cargos e empregos públicos: os conjuntos ‘B. Relação de Funcionários – Administração Direta’ e ‘C. Relação de Funcionários – Administração Indireta’. Na primeira edição deste boletim [3] —  ‘O Mapa da Mina dos Dados sobre Recursos Humanos do Governo do Estado de São Paulo’ — estes e outros conjuntos de dados estão devidamente detalhados e podem ser consultados e baixados livremente.

Tipologia dos cargos públicos

Cargos comissionados são cargos de livre provimento e exoneração pelo Governador do Estado ou autoridade por este delegada (Secretários de Estado, por exemplo), ocupados sem necessidade de aprovação em concurso público e, em boa parte, escolhidos por indicação política. Com a exceção de alguns poucos cargos comissionados (como chefia, encarregatura e supervisão, por exemplo) cujo provimento é privativo (obrigatório) de funcionários efetivos (concursados), todos os demais podem ser ocupados por qualquer pessoa que cumpra requisitos mínimos de escolaridade e experiência profissional. No Governo do Estado de São Paulo a maioria dos cargos comissionados estão descritos na Lei Complementar n° 1.080/2008.

Cargos permanentes são aqueles que, em regra, devem ser ocupados por funcionários efetivos (aprovados em concurso público). Entretanto, existem previsões legais para que cargos permanentes sejam ocupados por funcionários contratados em regime temporário por tempo determinado, conforme, por exemplo, a Lei Complementar n° 1.093/2009. Em síntese, foram utilizados neste estudo os seguintes conceitos:

Comissionados puros: cargos comissionados ocupados por funcionários sem vínculo com o Estado.
Comissionados efetivos: cargos comissionados ocupados por funcionários efetivos.
Temporários: cargos permanentes ocupados por funcionários temporários.
Efetivos puros: cargos permanentes ocupados por funcionários efetivos (estatutários ou CLTistas).

Natureza jurídica dos órgãos públicos

Geralmente existem cinco níveis de autonomia nos quais um órgão público pode ser enquadrado. Estes níveis costumam ser organizados esquematicamente a partir da Administração Direta, onde estão as Secretarias de Estado e, no caso do Governo Federal, os Ministérios; e vão “afastando-se” em autonomia e flexibilidade pela Administração Indireta, começando pelas Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. O Governo do Estado de São Paulo não costuma diferenciar estas duas últimas formas jurídicas e geralmente as tratas de maneira unificada como ‘Empresas Públicas’. Em síntese, temos o seguinte:

Secretarias: órgãos da Administração Direta, incluída a Procuradoria Geral do Estado e excluído o efetivo da Polícia Militar.
Autarquias, Fundações e Empresas Públicas (incluídas nestas as Sociedades de Economia Mista): órgãos da Administração Indireta.

4. Produtos deste estudo

Os arquivos que subsidiaram (inputs) o estudo estão disponíveis e documentados na primeira edição deste boletim. No intuito de facilitar o trabalho de hackers cívicos, pesquisadores e jornalistas de dados que tenham interesse em aprofundar nossa pesquisa ou mesmo cruzar esses dados com outras fontes, anexamos a este estudo dois arquivos produzidos na plataforma Jupyter com o passo-a-passo devidamente documentado para utilizar os respectivos conjuntos de dados.

Anexos estão os scripts que desenvolvemos em Python no Jupyter Notebook para desenvolver esse estudo. Eles podem ser livremente reutilizados. Se você quiser citar a AEPPSP no seu estudo, ficaremos felizes.

1. Arquivo em Python no formato Jupyter Notebook com o passo-a-passo devidamente documentado para cruzar os dados do conjunto ‘B. Relação de Funcionários – Administração Direta’:

2. Arquivo em Python no formato Jupyter Notebook com o passo-a-passo devidamente documentado para cruzar os dados do conjunto ‘C. Relação de Funcionários – Administração Indireta’:

5. Referências

[1] Transparência das Ações e das Contas Públicas (FMI/SEFAZ, 2008): http://www.fazenda.sp.gov.br/contas/transparencia_das_acoes_e_contas_publicas.pdf

[2] Estudo do Perfil dos Municípios e Estados Brasileiros, dentro do qual está a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, o Estadic, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014): https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/16770-pesquisa-de-informacoes-basicas-estaduais.html?edicao=22801&t=destaques

[3] O Mapa da Mina dos Dados sobre Recursos Humanos do Governo do Estado de São Paulo (AEPPSP, 2016): https://aeppsp.org.br/estudos-documentos/140-mapa-da-mina-recursos-humanos