Gestão Pública sob Ataque
A presente carta é um apelo e alerta para a situação em que se encontra a Secretaria de Gestão Pública e a carreira de Especialista em Políticas Públicas do Estado de São Paulo. Criada com a missão de aprimorar o planejamento e a gestão das políticas públicas paulistas, e composta por profissionais concursados vinculados especificamente à Secretaria de Gestão Pública, a carreira — conhecida em outros governos como ‘Gestor Público’ — tem sofrido graves agressões que se somam à incompetência e ao descaso na direção da Secretaria.
Os retrocessos na Secretaria de Gestão Pública
Desorganização institucional, ausência de instrumentos e de processos de trabalho adequados, inexistência de rotinas de acompanhamento, informalidade das atividades e dos vínculos, decisões tomadas com baixa qualidade técnica e, até mesmo, precariedade de apoio administrativo, são alguns dos problemas mais elementares que ilustram o cenário em que se encontra a Secretaria de Gestão Pública. Esse contexto de precariedade na coordenação da Secretaria e de barreiras contra a organização e a formalização do trabalho realizado pelos Especialistas em Políticas Públicas contribui para colocar a carreira em situação delicada, com evasão superior a 45% das 150 vagas oferecidas em seu primeiro e único concurso — realizado em 2009 — e ocupação inferior a 17% dos 500 cargos previstos em sua lei de criação. Apesar das dificuldades estruturais impostas ao longo dos cinco anos de existência da carreira, vinha-se avançando aos poucos, no âmbito da coordenadoria responsável pela gestão do trabalho dos Especialistas — a Unidade de Desenvolvimento e Melhoria das Organizações (UDEMO) — em ações para organizar e formalizar sua atuação.
Foi neste cenário que, em 19 de julho de 2014 (um sábado), foi publicada no Diário Oficial do Estado a realocação sumária e arbitrária, sem qualquer aviso prévio, de três Especialistas para a Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH) — inclusive um dos diretores da Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP), recentemente engajado na campanha salarial da carreira e subscritor de uma solicitação de informação realizada 17 dias antes em nome da AEPPSP, formalizada nos termos da Lei de Acesso à Informação, direcionada ao Gabinete da Secretaria de Gestão Pública, buscando acesso ao anteprojeto de lei complementar que tratava da reclassificação salarial da carreira. Tal anteprojeto havia circulado por canais oficiosos (informais) na última semana de junho de 2014, enviado pela Unidade Central de Recursos Humanos para a Secretaria de Planejamento e para a Casa Civil.
Sem processo seletivo profissional ou transparente, sem considerar as competências dos servidores, desvinculadas de instrumentos que formalizem e organizem o trabalho, de modo desrespeitoso e antiprofissional, comprometendo inclusive a continuidade de outros trabalhos em andamento, ao arrepio, enfim, do mais básico manual de gestão de pessoas, estas realocações arbitrárias consagram os retrocessos a que a carreira de Especialista em Políticas Públicas tem sido submetida. Os critérios de escolha são tão nebulosos e indefensáveis que sua responsabilidade não é assumida por nenhuma das autoridades da Secretaria de Gestão Pública envolvidas. Além disso, à revelia das ações de estruturação que estão em andamento na Unidade de Desenvolvimento e Melhoria das Organizações — UDEMO, outros oito Especialistas foram designados para órgãos externos à SGP sem vinculação aos instrumentos gerenciais necessários para formalizar e viabilizar o acompanhamento, a avaliação e a responsabilização dos Especialistas e dos órgãos em que os trabalhos são desenvolvidos.
Se já não bastasse a agressão perpetrada aos Especialistas, os dirigentes da Secretaria de Gestão Pública demonstram também disposição peculiar pelo trato arbitrário com aqueles que, enquanto representantes associativos, sempre buscaram a solução dos problemas por meio do diálogo e de propostas. Os diretores da AEPPSP têm sido tratados com o menosprezo e o desrespeito esperados apenas daqueles que nada têm a oferecer a não ser o exercício autoritário do poder pelo poder. O 5º Secretário de Gestão Pública num período de cinco anos, Sr. Waldemir Aparício Caputo, assessorado por seu Chefe de Gabinete, Sr. Luís Antônio Panone, e pela coordenadora da Unidade Central de Recursos Humanos, Sra. Ivani Maria Bassotti, têm, juntos, capitaneado retrocessos e promovido uma verdadeira lambança política e gerencial contra a Secretaria e a carreira. Preferindo o caminho da arbitrariedade e calcado num legalismo que não se sustenta sequer sobre suas próprias bases, “o poder da caneta” tem sido a justificativa para patrocinar graves precedentes que sinalizam uma “nova ordem” de retrocessos para a carreira de Especialista em Políticas Públicas, cujos profissionais já passam a ser tratados da pior forma possível, como objetos, coisas sem vontade nem dignidade, manipulados como peças no tabuleiro de um jogo sem estratégia.
Reforçando o lado obscuro desse processo, está a Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH), principal articuladora da arbitrariedade relatada e área notória por seu trato brutal para com os funcionários do setor público, vendo nesses uma espécie de “exército inimigo”, ao invés de seres humanos com quem deveria lidar dignamente em prol de um serviço público de qualidade. Não por menos, na UCRH, um órgão cujos próprios funcionários são submetidos a práticas arcaicas de comando e controle, prevalece uma visão restritiva quanto aos direitos trabalhistas, além da manutenção de um reiterado caos da legislação de pessoal e administrativa que tem serventia apenas a quem acumula poder com a inexistência de consolidação da legislação estadual. Daí decorrem decisões que permitem questionar se existe mesmo alguma política central de gestão de pessoas no Governo do Estado de São Paulo, ou apenas um grande departamento central de RH que tem como diretriz adotar todos os recursos técnicos e jurídicos — como se armas fossem — contra os servidores públicos paulistas.
Se em algum momento houve uma agenda de diálogo com o alto escalão do Gabinete da Secretaria de Gestão Pública; se um dia existiu alguma organização quanto ao uso de instrumentos para melhor estruturar e gerenciar os trabalhos; se certa vez contou-se com a possibilidade de que fosse consolidada uma estrutura melhor para a frágil UDEMO; se em um passado ainda mais distante foram firmadas, em lei, atribuições de carreira com altíssimo valor para a Administração Pública; hoje, pode-se dizer, sem qualquer receio, que quase nada disso permanece. Constata-se que o atual gabinete da Secretaria de Gestão Pública não atua para a manutenção dessas difíceis conquistas nem para a promoção de novas.
A situação da carreira de Especialista em Políticas Públicas
A carreira de Especialista em Políticas Públicas tem uma missão pública a cumprir. Apesar das dificuldades impostas, a carreira tem conseguido realizar trabalhos de destaque para o Estado de São Paulo. Alguns exemplos mais conhecidos são a reestruturação do Detran — Departamento Estadual de Trânsito e da Secretaria Estadual de Educação; a estruturação do Orçamento por Resultados e a reformulação do Plano Plurianual, na Secretaria de Planejamento; a realização da etapa estadual da Consocial — Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social, na Corregedoria Geral da Administração; a Reformulação do Plano Estadual de Direitos Humanos, na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania (cuja Secretária, Sra. Eloisa Arruda, fez questão dar publicidade a uma nota de elogio ao trabalho realizado pelos Especialistas); a revisão do ciclo de parcerias do governo estadual com Organizações Sociais; a redução de gastos em passagens aéreas (vencedora no Prêmio Mário Covas 2014 na categoria Melhoria do Gasto Público); a estruturação do Serviço de Apoio à Bonificação por Resultados, inédito no Governo do Estado de São Paulo; entre muitas outras. Estes exemplos são demonstração inequívoca do compromisso dos Especialistas com o trabalho e com a coisa pública, e do enorme potencial desperdiçado com a desorganização da Secretaria de Gestão Pública e com as resistências de seus três principais dirigentes para que a carreira de Especialista avance no movimento de organização, estruturação e formalização que estava em curso.
Se o desmonte patrocinado pelos três dirigentes da Secretaria de Gestão Pública for adiante, a carreira de Especialista em Políticas Públicas, ao invés de ter uma atuação estratégica e organizada centralmente, sofrerá uma pulverização desorganizada e desarticulada pelos órgãos do estado e será reduzida a um punhado de servidores qualificados e selecionados por concurso público, mas dispersados aleatoriamente pela máquina estatal e tendo desperdiçada sua potencialidade de atuação enquanto carreira, em rede, de forma articulada e estruturada. Assim, temos uma situação em que a carreira que foi concebida justamente para cumprir a missão de organizar, articular e estruturar a gestão das políticas públicas paulistas está sendo vítima, ironicamente, da própria desorganização e degradação que tomam conta do planejamento e da gestão pública do Governo do Estado de São Paulo.
Tal situação coloca o estado de São Paulo na incômoda e vexatória situação de ser o único ente da Federação (entre a União, estados e municípios) que tem uma carreira de gestores públicos concursados com problemas tão básicos e estruturais. A agenda da Gestão Pública e das Políticas Públicas tem recebido cada vez mais importância em todo o país e tende a crescer devido à demanda da sociedade por um Estado mais eficiente, efetivo e transparente. Não é razoável que o Estado de São Paulo continue na contramão do processo de modernização do aparato estatal.
Um apelo pelo resgate da Gestão Pública do Estado de São Paulo
Diante de tantas fragilidades e agressões, a carreira de Especialista vive seu momento de maior precariedade. Se, com muito esforço, nadando contra pequenos e grandes obstáculos, a carreira vinha conquistando aos poucos importantes resultados, neste momento, porém, após incansáveis tentativas de diálogo e proposições, não resta outra alternativa que não seja declarar a quem quiser escutar: a carreira de Especialista em Políticas Públicas do Estado de São Paulo encontra-se abaixo dos patamares mínimos de dignidade para cumprir sua missão e, com ela, a da Secretaria de Gestão Pública.
Esta situação de precariedade institucional e instabilidade profissional, permeada pela inabilidade do corpo dirigente da Secretaria de Gestão Pública, faz-nos crer que, passados cinco anos da criação da carreira de Especialista, a responsabilidade por tantos problemas não pode mais ser reputada aos seus integrantes, especialmente após as seguidas proposições de alternativas e o esgotamento das negociações internas. Vimos a público, portanto, denunciar o descaso, a incapacidade e a falta de profissionalismo do alto escalão da Secretaria de Gestão Pública do Estado.
Como medida imediata, diante do modo bárbaro, injustificável e sustentado meramente no poder discricionário, sem motivação nem fundamentação minimamente transparentes e profissionais, como foram realizados procedimentos que afetam a vida e a integridade moral e profissional de onze servidores da UDEMO — que por acaso (ou não) são membros da carreira de Especialista — é imperioso que os três Especialistas classificados na Unidade Central de Recursos Humanos sejam imediatamente reclassificados para sua unidade de origem, a Unidade de Desenvolvimento e Melhoria das Organizações, e que as oito designações sejam refeitas e vinculadas aos instrumentos gerenciais adequados.
Demandamos bom senso e coragem para que os problemas sejam enfrentados e superados com profissionalismo e transparência. Revogar atos administrativos que ignoraram completamente todos os processos organizativos que estavam em andamento, não é vergonha alguma nem tampouco demonstração de “fraqueza”, ao contrário. No caso em tela, é sinalização de bom senso, de coragem para enfrentar problemas estruturais da Secretaria e da carreira, e de compromisso em agir com zelo pelo interesse público, pela estruturação da carreira de Especialista em Políticas Públicas, e pela tão necessária melhoria da gestão pública no Estado de São Paulo.
As informações da presente carta são complementadas, de forma mais específica, pela carta intitulada ‘Gestão Pública pede Socorro’.
São Paulo, aos 08 de setembro de 2014
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
aeppsp@aeppsp.org.br