Manifesto Público sobre a degradação das carreiras do ciclo de planejamento e gestão do Estado de São Paulo estabelecida pelo PLC 50/2012

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No apagar das luzes de 2012, o Governo do Estado de São Paulo enviou o Projeto de Lei Complementar PLC 50/2012 à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) sob regime de urgência, alterando as leis de diversas carreiras. Tal procedimento, utilizado sistematicamente pelo Governo há anos, diminui a qualidade do processo legislativo democrático na Casa do Povo Paulista, pois os debates internos realizados pelas diferentes comissões são substituídos por pareceres elaborados em três dias por um relator. Não bastasse isso, a elaboração do PLC 50/2012 dentro do Governo teve o diálogo negado com as diversas carreiras que seriam afetadas pelo mesmo. O que se depreende dessa experiência é a amostra de uma prática não democrática por parte do Governo.

Apesar das dificuldades, as diversas carreiras afetadas organizaram-se e solicitaram aos Deputados Estaduais paulistas a inclusão de 56 emendas ao PLC. As associações representativas das carreiras de Especialista em Políticas Públicas (EPP) e de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas (APOFP) — AEPPSP e AGESP, respectivamente — realizaram uma maratona de diálogos e esforços de sensibilização na ALESP, com outras carreiras e, até mesmo, com algumas alas do próprio Governo. As carreiras de EPP e APOFP, criadas em 2008, são as principais carreiras do ciclo de planejamento e gestão do Estado de São Paulo.

Os Deputados Estaduais mostraram-se sensíveis aos apelos por socorro reivindicados pelas carreiras, que viram no PLC tanto a oportunidade de apresentar propostas para o seu fortalecimento, como o risco de que fossem prejudicadas. No caso das carreiras de EPP e APOFP foram apresentadas, inicialmente, cinco emendas: duas de natureza propositiva (53 e 54) e três de natureza antirretrocesso (52, 55 e 56). As emendas propositivas foram prontamente rejeitadas, sob o argumento de que emendas ao PLC não poderiam versar sobre parágrafos distintos daqueles alterados pelo próprio PLC e, tampouco, versar sobre assuntos que implicassem custos ao Governo. Assim, foram negados previamente o aprimoramento dos critérios de promoção na carreira — que deixaria de ser a avaliação por prova teórica e passaria a ser por prova de aquisição de competências e por avaliação de trabalhos realizados — e a uniformização do desenho e da amplitude das carreiras de EPP e APOFP com a de outras carreiras típicas de Estado de São Paulo — a proposta era alterar a amplitude dos atuais 28 anos, para a média e a mediana das outras carreiras, que é de 17 anos.

Na noite de 24 de abril de 2013 o PLC 50/2012 foi aprovado na ALESP. Dois esforços foram bem-sucedidos e beneficiaram todas as carreiras do Estado de São Paulo: manteve-se na legislação o prazo para publicação da confirmação ou exoneração de servidor público no cargo após encerrado o período de estágio probatório — que seria retirado pelo PLC — e conquistou-se o direito à licença-gestante sem prejuízo à ascensão profissional da mulher em sua carreira — até então, a mulher que se afastasse em virtude de licença-gestante durante o estágio probatório teria toda sua trajetória profissional prejudicada. É importante reconhecer-se esses avanços, que contaram com forte engajamento das lideranças do governo, do PT e do PSOL na ALESP.

Praticamente todas as demais emendas foram barradas, inclusive duas das emendas (52 e 56) antirretrocesso apresentadas pela AEPPSP e AGESP que pretendiam apenas garantir que as duas carreiras do ciclo de planejamento e gestão do Estado de São Paulo não fossem degradadas.

A emenda 52 pretendia não permitir que o curso de formação pelo qual passam os ingressantes das carreiras do ciclo de planejamento e gestão fosse deteriorado, conforme propunha o PLC. Se aprovada, a emenda garantiria que o curso de formação teria carga horária suficiente para qualificar e simetrizar o conhecimento dos ingressantes das carreiras, além de permanecer obrigatório. A demanda por degradá-lo surgiu da Secretaria da Fazenda, e foi bancada pelo Governo. Com a aprovação do PLC, o curso de formação tornou-se opcional e sem qualquer patamar mínimo de carga horária.

A emenda 56, em síntese, pretendia que se mantivesse a função de assessoramento no rol das funções passíveis de recebimento de pró-labore em cargos comissionados. Com isso, as carreiras de EPP e APOFP permaneceriam simbolicamente conectadas a tal função. Simbolicamente, porque não há efeitos práticos para os próximos 10 anos. Trata-se de uma forma de qualificar o preenchimento de cargos comissionados por membros concursados e efetivos de carreiras de Estado. O PLC aprovado reflete uma disputa interna protagonizada pela Secretaria da Fazenda que, por algum motivo obscuro — ou ao menos não tornado público nas justificativas do PLC enviado à ALESP — deseja desestimular a ocupação de cargos de assessoramento por servidores públicos concursados.

Algumas considerações precisam ser feitas em relação às emendas 52 e 56, para que não se perca sua história. A liderança do Governo na ALESP engajou-se nas tratativas de negociação tripartite entre os patrocinadores do PLC no Governo, as lideranças do PT e do PSOL que acompanharam ativamente as negociações, e as associações AEPPSP e AGESP, em nome de um diálogo profícuo e do consenso, mas fracassou. A representante do Governo que se sensibilizou com a demanda, membro do alto escalão da Secretaria de Gestão Pública, negociou com a Secretaria da Fazenda e declarou publicamente o consenso obtido em relação à emenda 52 na reunião histórica realizada na tarde de 15 de abril de 2013 na ALESP, da qual participaram representantes de diversas carreiras, líderes e deputados estaduais, mas foi constrangida a um papel desempoderado: ao fim e ao cabo, os Deputados foram induzidos a aprovar a redação original referente ao curso de formação que, agora, além de degradado, é opcional. A emenda 56 avançou em negociações internas dentro do Governo — particularmente, entre as Secretarias de Estado da Gestão Pública e da Fazenda, principais patrocinadoras do PLC — mas também foi ignorada na redação final da emenda aglutinativa nº 57.

Esse retrocesso é uma clara sinalização (i) da incapacidade do Governo em estabelecer diálogo com seus trabalhadores, (ii) do descompromisso em manter acordos assumidos publicamente, (iii) da desconsideração que tem pela Casa Legislativa, que foi manipulada a votar em redação diferente da acordada com os próprios Deputados, (iv) da pouca importância que dá ao ciclo de planejamento e gestão do Estado de São Paulo, (v) da lógica cortesã que orienta a alta cúpula tomadora de decisões do Governo a ter mais compromisso com disputas internas por poder do que com o interesse público e (vi) da decadência e degradação que diminuem cada vez mais a capacidade de realização de políticas públicas eficazes e efetivas no Estado de São Paulo.

Os bastidores da construção e da aprovação do PLC revelam a assimetria de poder que a Secretaria da Fazenda — responsável pela arrecadação — tem sobre secretarias diretamente prejudicadas por sua visão míope, como a de Gestão Pública e de Planejamento — responsáveis pelo gasto. As três secretarias têm um problema: a dificuldade em reter quadros qualificados, que se decompõem em ritmo intenso. A solução encontrada pela Secretaria da Fazenda e assumida pelo Governo foi aumentar a rotatividade de mão-de-obra (turnover) para manter seus quadros sempre cheios! Em vez de buscarem uma forma de reter no Estado de São Paulo os membros das carreiras de EPP e APOFP, com uma boa estrutura de carreira e remuneração adequada, evitando-se a fuga de expertises desenvolvidas em formação e no exercício do cargo, simplesmente estão assumindo a alta rotatividade como um dado e procurando uma alternativa para a reposição a baixo custo que, em todo caso, não soluciona as causas do problema.

Não há mais espaço, num Estado de terceira geração, socialmente comprometido e pautado por princípios republicanos e democráticos, para que continue orientado por práticas autoritárias, mandos e desmandos, e limitado a um olhar cuidadoso apenas para a arrecadação de tributos, deixando de lado todo o ciclo de planejamento e gestão do Estado e de seus recursos humanos cuja missão é aplicar com eficácia e efetividade os tributos arrecadados.

Finalmente, ainda que abalados pelos retrocessos do PLC 50/2012, mantemos a esperança de que o Governo seja capaz de responder — publicamente e com ações — à seguinte questão: há vontade política deste Governo em valorizar seu ciclo de planejamento e gestão — e as carreiras associadas a ele — e tratar o planejamento governamental e a gestão das políticas públicas e dos recursos públicos, dos quais é guardião, com a mesma seriedade com que aborda a questão da arrecadação dos recursos públicos?

São Paulo, 29 de abril de 2013.

Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP)
Associação dos Gestores Públicos do Estado de São Paulo (AGESP)

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